Entrevista sobre suspensão corporal

Curso: Pós graduação em Jornalismo | Universidade: FAAP

Sobre a suspensão corporal para você (sensações, etc):

1)     Como você começou a fazer suspensão corporal e há quanto tempo?
Eu comecei em 2005. Eu vi uma matéria na televisão sobre suspensão corporal no final dos anos 90 e desde então fiquei interessado pela prática. Foram anos pesquisando, estudando, conversando, até que eu me sentisse seguro o suficiente para passar pela experiência.

2)     O que é a suspensão corporal para você?
Atualmente a suspensão é um dispositivo e uma ferramenta que utilizo dentro do meu trabalho com performance art. Em igual medida se tornou um objeto de estudo. Tenho me interessado pela prática da suspensão corporal principalmente dentro do campo da arte contemporânea.

3)     Quais são as sensações (antes, durante e depois do ato)?
A suspensão corporal proporciona tantas sensações que é impossível verbalizar. Por mais que eu diga como eu me sinto, nunca será exatamente fiel, pois é muita coisa que acontece em nosso psicofísico, principalmente durante o ato. Mas de forma bastante reducionista posso dizer que antes tem a tensão, durante a explosão de adrenalina e depois o corpo em estado de gozo, relaxamento, etc.

4)     Quais posições você já realizou?
Eu fiz suicide (4 e 2 pontos), knees, fetus, vertical pelo peito, coma, superman, ressurection, prayer, peito e costa vertical…

5)     Fale um pouco sobre sua primeira experiência e como decidiu continuar em frente.
Eu passei muito tempo pesquisando e quando decidi que passaria por uma suspensão, fiquei aproximadamente um ano conversando com a pessoa que faria o procedimento para mim. Escolhi uma sessão privada, não sabia o que aconteceria comigo. Tudo correu perfeitamente bem. Tive a sensação que meu corpo iria rasgar, que eu iria cair e tantos outros medos bobos. Ao mesmo tempo superei meu medo de altura, meu receio de perfurações e essas coisas que nos acometem durante a vida. Sinto (em comparação com as demais experiências) que meu corpo ficou bastante travado durante a primeira suspensão, ao mesmo tempo foi uma experiência muito potente, muito feliz e que me despertou o desejo de seguir investigando as potencialidades do meu corpo. Eu sempre me senti fraco e frágil, a suspensão corporal me ajudou a rever essa ideia que tinha sobre mim.

6)     Você realiza algum tipo de preparo (físico, psicológico) antes das suspensões?
Eu sempre tive essa preocupação, digo, me alimentar bem e descansar bastante uma semana (ou mais) antes de me suspender. As experiências que tive em que fiz o avesso disso sempre foram estranhas. Por exemplo, algumas poucas vezes que eu bebi álcool no dia antes de me suspender, acabei sentindo um incomodo durante a suspensão. Pode ser coisa da minha cabeça, mas não me faz bem.
Acredito também que meu ritmo de vida diário ajuda bastante, eu sou vegano, faço atividades físicas diárias e tenho cuidado com o meu sono… Acho que tudo isso colabora positivamente. Não é uma regra que deve se aplicar de modo generalizado, mas pra mim tem funcionado nesses quase 10 anos de prática.

7)     O que você sente em relação aos ferimentos em cada suspensão? Como é essa relação com a dor para você? E a respeito das marcas que ficam na pele?
Eu gosto de cicatrizes e gosto das minhas marcas oriundas das suspensões. O mesmo cuidado que tenho antes e durante, tenho no depois… Procuro cuidar dos ferimentos, procuro ter um certo repouso para a minha recuperação ser breve. Normalmente meu psicológico pede que eu fique quietinho, sozinho, degustando as experiências, as memórias… A solidão é importante pra mim.
As marcas que ficam expostas na pele são pequenas demais quando comparadas com as marcas que ficam por dentro e que somente eu conheço. Fazem- me sentir meio esfinge.

8)     Quais são as suas principais motivações para realizar as suspensões corporais?
Atualmente eu tenho utilizado a suspensão corporal dentro de trabalhos de arte. Falo sempre de seu uso dentro da performance, pois tem sido mais frequente pra mim, mas é certo que já fiz seu uso na dança, instalação, vídeo, etc… Inclusive tenho desenhado trabalhos em que nem utilizo o meu corpo em si, mas que conto com a contribuição de outras pessoas, artistas, entusiastas. O que é uma doação sempre muito linda e rara e sou muito grato para todas as pessoas que já contribuíram comigo nesse sentido.

9)     Cada uma delas tem um sentido individual? Explique.
Obviamente que sim. Cada trabalho tem as suas características, cada trabalho pede determinada coisa, são especificidades bastante marcantes. Cada obra tem seu universo particular. A suspensão corporal permite várias possibilidades de imersão, diferentes níveis de dor, de resistência psicofísica e tenho buscado investigar tudo isso em cada trabalho que desenho.

10)  Quantas vezes você faz suspensão por semana/mês/ano? Se não existir uma regra de período, data, como você se organiza?
Não existe essa programação pra mim porque dependo dos festivais, eventos e das minhas próprias pulsões criativas. Nos últimos anos o meu ritmo de trabalho tem sido maior e com isso a suspensão tem acontecido mais vezes, já teve mês de fazer quatro, alternando as posições obviamente. Como eu disse, ultimamente o meu corpo não tem sido suficiente e tenho me apropriado de outros corpos para construir algumas obras.

11)  Como é sua vida normalmente e como concilia suas experiências de suspensão corporal? Há relação entre suas atividades diárias (trabalho, estudos) e a suspensão, por exemplo?
Minha vida é simples e tomo muito cuidado para que ela continue sendo sempre assim. As suspensões não afetam meu trabalho e estudo. Depois que me suspendo fico uns 2 ou 3 dias longe da academia e depois vida normal. Tem o período que preciso ficar quietinho, então busco esse tempo e quando possível mergulho nele.
Ah! Tudo isso exceto quando faço pelos joelhos. Essa posição sempre me deixa meio manco por uma semana, mas a gente faz piada e segue com a vida.

12)  Considera seu corpo um objeto /ou ferramenta para a arte?
Eu não consigo separar a minha vida (o que abarca o corpo que eu sou) da arte que faço. Para mim são coisas que não se dissociam.

13)  Seu fascínio por essa técnica tem limite? Qual seria seu limite?
O meu fascínio pela técnica da suspensão corporal é acompanhado do meu fascínio em transpor limites. A suspensão corporal em si é a superação de tudo aquilo que disseram que o corpo não poderia ou não suportaria. Eu não sei qual é o meu limite, é como se eu fosse sempre expandido essa borda a cada investigação que faço.

14)  Durante a realização de uma suspensão, qual é a sua relação com as outras pessoas presentes no local?
Na maioria dos meus últimos trabalhos eu tenho conseguido alcançar um nível de concentração que tem apagado todo o resto. É um estado de esvaziamento que me interessa muito. Percebo que o som ainda é um elemento que consigo perceber, meio borrado, mas ainda perceptível. Todo o resto – inclusive a dor – desaparece e essa é uma sensação interessante pra mim.
É certo que antes e depois a presença das pessoas é importante, a confiança na equipe que estou trabalhando, nos artistas que estou compartilhando a obra e do público que compartilho a experiência.

Sobre a relação modificação corporal X suspensão corporal:

15)  Por que exatamente você acredita que existe essa relação tão próxima de quem pratica a suspensão corporal e de quem é adepto da modificação corporal? Normalmente são as mesmas pessoas? Se sim, por que? Qual é a relação e a diferença entre as duas práticas?
Na verdade no ocidente contemporâneo por conta de Fakir Musafar é que se convencionou falar somente dessa relação (suspensão X modificação corpora), mas eu me interesso principalmente pelas bordas, isto é, em levantar pessoas que não tem nenhuma relação com a body mods e que praticam suspensão. Percebo que dentro das artes é mais comum isso acontecer e percebo também que agora através dos russos do The Sinner Team, a suspensão encarna a coisa do esporte radical e traz outra gama de pessoal, igualmente fora do meio body mods.
Apesar de ser a relação mais comum, não é a única possível e isso deve ser lembrado sempre. A relação entre as duas práticas, ao meu ver, está na questão dos usos do corpo de um modo “incomum”. Mas são práticas que acontecem isoladamente, como os registros tem nos mostrado.

16)  Normalmente quem pode realizar suspensões corporais? Qualquer pessoa interessada? Por que há essa sensação de que apenas comunidades fechadas e pessoas específicas podem praticá-la?
Eu vou repetir o que eu disse em uma entrevista de anos atrás. A pergunta era se eu recomendava a suspensão para todas as pessoas e eu respondo que:

Não. Primeiro tem que ver se a suspensão significa algo pra você, se for vazio de significâncias eu recomendo uma corrida na praia, um passeio no campo ou um jantar com a família.
Depois, tem aquilo que citei acima sobre o histórico de patologias. É importante respeitar os “limites” do corpo, já que só temos um. Se para a prática de atividades físicas – das mais moderadas as mais radicais – se faz necessário essa atenção com a saúde, com a suspensão não pode ser diferente.”

 

Não sei se a sua sensação (ou a sensação que você fala) é generalizada, eu não partilho dela. Ainda mais com as redes sociais tudo me parece muito aberto. Os profissionais que conheço são igualmente abertos para falar de seus trabalhos. Não consigo visualizar a coisa de comunidade fechada.

17)  Quais são as diferenças entre body modification e body art? Quem são normalmente praticam ambas?
Essa é uma pergunta que as pessoas têm me feito muito, pois eu acredito e defendo a ideia de que são duas coisas absolutamente distintas. Acho bom que a pergunta tenha surgido com maior frequência e vou repetir a última resposta que dei dias atrás:

A body art é uma coisa e body modification outra, não se tratam de lugares comuns. Todavia cabe pontuar que tais práticas podem caminhar em conjunto, o que não quer dizer que isso ocorra em todas as situações. Existem variações de acordo com os pressupostos envoltos em cada processo: a body art pode acontecer sem estar ligada com a modificação do corpo e a modificação corporal não está sempre inclusa em um contexto artístico. O que há de ponto comum entre os dois termos – tão logo distintos movimentos – é unicamente o corpo.
No link abaixo eu dou uma aprofundada na discussão, para quem se interessar:
http://www.frrrkguys.com.br/body-modification-apropriacoes-culturais-e-falhas-interpretativas/

Sobre tribo e comunidade:

18)  Você acha o termo “tribo” correto para descrever os praticantes da modificação corporal? E comunidade? Também gostaria que você opinasse sobre a suspensão corporal. Comente.
Eu acho o termo tribo inadequado e anacrônico tanto para a body mods quanto para o grupo de pessoas que praticam suspensão corporal. Eu prefiro utilizar o termo comunidade body mods (e talvez me soe melhor comunidade da suspensão corporal, apesar de não utilizar), que me parece mais abrangente, mais heterogêneo, ainda que talvez, não completamente preciso.

19)  Como pesquisador constante da área e criador do site Frrrk Guys, qual é a sua opinião sobre os grupos de suspensão corporal (como o Diabos Mutantes)? O que eles representam hoje para essa comunidade em geral?
É muito importante a criação de grupos de suspensão, principalmente no sentido de especialização, aprimoramento, troca de experiências e abertura de discussão sobre a prática da suspensão. Acredito que já está na hora de haver encontros desses grupos que estão em atividade, para a coisa ser mais plural ainda, assim como acontece nos eventos no exterior, a exemplo da Suscon. Tenho plena certeza que temos profissionais de alto nível trabalhando por aqui e isso é muito positivo.
O Diabos Mutantes tem sido um dos grupos mais ativos do Brasil e responsável pela formação de tantas pessoas e inclusive de novos grupos, impossível não olhar para isso com bons olhos. Eles representam esse desejo de construir possibilidades para eles e para as outras pessoas e só fico torcendo pra ver isso se desdobrar ainda mais. Tive a oportunidade de trabalhar com os meninos em algumas performances que desenhei e respeito muito o trabalho deles.

20)  Quais são os seus conhecimentos sobre as técnicas primitivas que deram origem à suspensão corporal? Você acredita que hoje em dia é possível representar os mesmos elementos dos rituais originais? Estes elementos se perdem ou prevalecem?
Meus conhecimentos são bem limitados, principalmente no que se refere a parte técnica. Não precisamos nem falar em representação uma vez que parte dessas populações ainda estão vivas e em atividade, obviamente que em uma proporção assustadoramente menor. Nós do ocidente é que precisamos ter cautela das apropriações que fazemos e principalmente parar de colonizar (e exterminar) as práticas dos outros. Um bom exemplo disso é a suspensão vertical pelo peito que é equivocadamente e popularmente chamada de O Kee Pa. Gosto de citar esse exemplo, pois os próprios índios pediram para que parássemos de usar esse termo deliberadamente.
Afora isso (e ainda dentro disso), acredito que podemos criar novos rituais sem que para isso seja preciso melindrar e desrespeitar nenhum povo.

 

21)  Você acredita que, pelo fato de as suspensões hoje terem perdido as características rituais, perderam também o sentido para a realização, ou as motivações são outras?
Eu não acredito que a suspensão tenha perdido por completo a característica ritual. Novos rituais são criados o tempo todo. Conheço (algumas poucas) pessoas que fazem a suspensão dentro de um contexto ritual e não podemos dizer que a validade da prática dessas pessoas é menor do que dos povos do século XVIII.
Mesmo que a suspensão corporal aconteça fora do contexto ritualístico, como é a grande maioria atualmente, ela não perde a potência, o sentido e a sua lógica particular de ser. Independente da motivação a suspensão corporal é um fenômeno social, cultural e histórico que tem atravessado os tempos. As motivações são outras sim e tão complexas, significante e relevantes quanto as do passado. Todas essas práticas merecem um olhar cuidadoso e muita sutileza em suas respectivas leituras.

22)  Você se considera parte de um grupo?
Não me considero parte de um grupo.

23)  Como você vê e qual acredita que seja a posição do Diabos Mutantes hoje dentro deste mundo?
Tenho a sensação de que eles são um dos grupos mais relevantes dos últimos anos, em uma perspectiva mundial e me explico adiante. Estamos fora do circuito norte americano e europeu da suspensão, onde “tudo” acontece. Estamos fora do circuito onde Stelarc, Fakir, Falkner circulam e partilham os seus conhecimentos. Tenho minhas dúvidas se até mesmo esses profissionais olham para o que está sendo produzido aqui no Sul da América. Temos toda a nossa precariedade de informação e acesso. Ainda assim os Diabos estão fazendo um trabalho altamente competente, bonito e ainda formando novas pessoas. Com o pouco que temos aqui, eles estão fazendo mágica e isso é muito bom ver. Olho para o trabalho do Freak Boy junto ao Diabos com muito carinho e admiração.

Sobre a performance:
24) 
Qual a sua relação com a arte da performance e como você une modificação corporal X suspensão corporal X performance arte?
Desde 2005 comecei a trabalhar com a performance art. Gradativamente fui me envolvendo cada vez mais com ela, a ponto que virou a minha própria vida.
Eu sou um corpo com modificações corporais, automaticamente essas práticas estarão sempre presentes no que faço, além dessas práticas me oferecerem uma gama de possibilidades de revirar o corpo que muito me interessa.
Dentro da performance me interessa investigar poética e anarquicamente os meus limites psicofísicos e percebo que a suspensão corporal é um excelente elemento de acionamento. Inclusive de esvaziamento, como falei acima. Acho que isso que me fez dedicar tanto tempo para essas pesquisas todas.
Tudo se relaciona, se complementa e se completa em certa medida. É aquilo que entendo como arte e vida.

 

25) Você acredita que nem todos os praticantes da suspensão fazem performances? Explique por que.
Dentro do que se entende por performance art, não. Basta nos virarmos para os estudos dessas práticas e isso fica muito claro. Acredito que a suspensão corporal não seja somente motivada pela arte, e isso, tanto quanto acredito na diferença entre body mods e body art.

Nem tudo é performance, nem tudo é arte e reconhecer isso é abrir o leque de possibilidades e expandir o olhar sobre essas práticas.

 

26) Victor Turner sugere que na cultura contemporânea o ritual passa a ser uma performance. Pensando nessa afirmação, qual é sua opinião?
Eu precisaria ler o Turner, não tenho base para falar sobre os conceitos dele. Mas a sua pergunta me fez pensar sobre as pensadoras da teoria queer que vão falar que o gênero também é performance. Bem, eu penso que a performance nesse sentido é mais atrelada ao “desempenhar”, “atuar”, “protagonizar” que é a tradução da palavra para o português, do que qualquer outra coisa. Acho que a performance art é uma micro parte das possibilidades que a palavra performance sugere e isso precisa ser levado em consideração para evitar erros de leitura e compreensão.

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