Minha entrevista para Hype Magazine

Bem, fiquei sabendo hoje que a revista está nas bancas e acredito que no Brasil inteiro.
Não recebi a minha ainda, mas fiquei curioso demais pra ver como ficou. Espero que gostem!

Em todo caso, já adianto em primeira mão a minha entrevista por aqui. Muito obrigado Hype Magazine!

1 – Quando e como foi a sua primeira vez?
A minha primeira experiência prática com suspensão corporal foi em 19 de Março de 2005 em São Paulo. Foi um suicide (posição em que os ganchos são colocados nas costas) com 4 pontos (usa-se chamar de “ponto” cada gancho colocado na pele). Mas a primeira vez que eu vi algo sobre suspensão corporal foi em 1998. Apesar do meu pai já ter comentado algo sobre o filme “Um homem chamado cavalo” (1970), quando comecei as minhas experiências com o body piercing.
Fiquei muito interessado pela prática e comecei a buscar mais informações sobre. As poucas informações que encontrava foram me ajudando no esclarecimento de dúvidas e fomentado a minha vontade de passar pela experiência. Já tinha passado pelo piercing, tatuagem, branding, escarificação… Queria poder ter uma outra experiência corporal e saber se eu seria capaz de lidar com tudo isso. Quando eu resolvi que me suspenderia mesmo, fiquei quase um ano inteiro conversando com o profissional que faria o procedimento.
Queria algo reservado, não sabia como seria ou como ficaria durante… Convidei apenas meu primo-irmão e sua namorada, que é muito minha amiga. A primeira vez tinha que ser especial e com pessoas importantes pra mim por perto. E foi…
Costumo dizer que as minhas primeiras suspensões foram práticas de auto-conhecimento e sem dúvida alguma é isso que elas foram. Cada um escolhe a maneira que lhe convém quando o assunto é se conhecer “por inteiro”, a minha foi essa.
A verdade é que descobri, dentre tantas e tantas coisas, que a suspensão é uma prática que vai além do corpo. As sensações são tão particulares e tão intensas que eu alcancei lugares que não pensava nem que existiam. Não sai do corpo, não foi uma experiência espiritual, sobrenatural ou coisa que o valha.  Mas foi algo que me colocou em outra lógica, em outro tempo, virou e revirou o corpo por dentro e por fora. Enquanto as modificações corporais me mudavam por fora, veio a suspensão e fez o mesmo – talvez com maior intensidade – por dentro.
A primeira vez foi especial.

2 – Existe uma regra ou definição de peso para a prática?
Não, até onde eu sei. Já vi pessoas com peso leve, médio e pesado se suspendendo e desfrutando a experiência. Existem questões técnicas, acredito que uma pessoa mais pesada tenha que usar mais pontos para evitar tanta pressão e ficar mais confortável. Além disso, acho que existem outras questões mais importantes que o peso em si. Por exemplo, considero importante que as pessoas sejam honestas consigo próprias e com os profissionais, no sentido de contar se tem algum histórico de doenças, uso de medicamentos, drogas e etc.
As coisas podem ser especiais se houver sinceridade naquilo que se pretende fazer, eu acredito nisso.

3 – Qual é a sensação quando se está suspenso?
Depende da posição escolhida. Algumas a sensação é de total liberdade, como o suicide ou o knee (pelos joelhos). Já tem outras que oscilam entre a sensação de intenso prazer e dor, como o vertical pelo peito. Nesta última essa relação entre prazer e dor são tão “misturados” que você fica sem saber ao certo onde começa um e onde termina o outro. Não é muito fácil verbalizar a coisa toda, são processos realmente de muita intensidade e transformação interior.

4 – Você recomenda a qualquer um praticar a modalidade?
Não. Primeiro tem que ver se a suspensão significa algo pra você, se for vazio de significâncias eu recomendo uma corrida na praia, um passeio no campo ou um jantar com a família.
Depois, tem aquilo que citei acima sobre o histórico de patologias. É importante respeitar os “limites” do corpo, já que só temos um. Se para a prática de atividades físicas – das mais moderadas as mais radicais – se faz necessário essa atenção com a saúde, com a suspensão não pode ser diferente.

5 – Alguma vez sua pele cedeu ou a de algum amigo?
Nunca passei por isso durante esses anos. Já “entortei” um gancho em uma performance, mas a pele continuou intacta. Absurdo como a pele é resistente.
Mas já vi sim algumas situações em que a pele cedeu, não por inteira a ponto de rasgar, mas ao ponto de precisar de uma pequena sutura.
Temos casos em que há o rompimento total da pele, já estes são resultados de perfurações feitas de forma incorreta, ao menos o histórico das práticas atuais é esse. Não ouvi ou vi alguém propositalmente chegando ao ponto de rasgar o couro.  Falo isso e até vale acrescentar como uma “curiosidade”, que no ritual O-kee-pa o “rasgar a pele” é parte indissociável do processo todo.

– A suspensão causa algum dano na pele, como por exemplo ficar esticada demais?
Talvez um dermatologista pudesse fazer um estudo interessante sobre isso, não conheço nenhum. O que eu sei é que deixa cicatriz. Alguns corpos ficam com cicatrizes mais altas, outros apenas com uma leve marcação.
Eu tenho algumas cicatrizes nas costas pelas repetições. No joelho, panturrilhas e outras partes eu tenho que procurar pra achar as manchinhas das perfurações. Algumas até sumiram.

7 – Nos eventos como performer-artist rola alguma espécie de campeonato ou de melhor apresentação?
Não, de verdade, espero que não! (risos)
No campo da performance art não temos muitos artistas que usam a suspensão corporal em suas obras. Temos o trabalho fabuloso e pioneiro do Stelarc que merece ser mencionado com todas as honras, reconhecimentos e respeito. Depois dele alguns outros poucos se enveredaram por essas pesquisas.
A grande maioria dos eventos tem demonstrações de suspensão, mas que não estão embutidas em um campo artístico. Nem toda suspensão corporal é uma peça de arte. Nesse contexto em que a suspensão é praticada como uma forma de “lazer” não me espantaria um campeonato. Grande parte das pessoas tem uma forte ligação com a questão de competir, de ser o melhor, de ter feito mais, de ter feito de formas mais diferentes. Acredito que dentro da arte da performance essa coisa toda não cabe. Na minha vida isso não entra e não faz parte, não tenho o menor interesse em provar nada pra ninguém.

8 – Em quais países já se apresentou?
Podemos falar em cidades ou para ser metido em Estados? (risos)
Só me apresentei no Brasil, em algumas poucas cidades e de alguns poucos Estados. Muito felizmente experiências sensacionais, edificantes e que guardo com muito carinho no coração. Sou muito grato em ter pessoas que acreditam em meu trabalho como artista e que se identificam com as discussões que proponho ao ponto de me convidarem para performar em suas cidades. Essa abertura de espaços, de abraços, de laços me fazem muito feliz e realizado.
Cabe mencionar que em 2008 estive em um evento de rituais (Truth Seekers Syndicate) na Argentina, mas fui somente como pesquisador e entusiasta das práticas. Acabei ajudando em uma suspensão, mas é que o espírito da coisa era esse.

9 – Acha que a suspensão é melhor divulgada lá fora do que aqui no Brasil?
Penso que no exterior temos materiais produzidos e sendo produzidos com muita qualidade e respeito. Os principais nomes da suspensão corporal ocidental contemporânea, em suas mais distintas motivações estão fora do Brasil, então é meio óbvio que há uma produção maior por lá. Fico imaginando os arquivos que existem e que não são divulgados… Que vontade. (risos)
Só acho triste que não haja traduções ou uma circulação do material já existente por aqui, é tudo muito caro, muito difícil… Fiquei muito feliz com a ação do Shannon Larratt (fundador e ex dono do BMEzine.com) em publicar em pdf alguns livros e disponibilizar gratuitamente esse material pra gente. Pra nós brasileiros (apesar dos textos em inglês) é um recurso demasiado valioso.
O sensacionalismo midiático existe em todos os lugares, conversava muito com colegas da Europa, Canadá e EUA e todos falávamos disso. Nessas conversas um colega francês comentava que muito do que era feito no Brasil de eventos abertos – como a Virada Cultural, por exemplo – seria impossível de se realizar na França, fosse por conservadorismo ou burocracias num geral. Acho que é algo importante pra gente refletir no que podemos fazer por aqui e na potência que temos.
Vejo que na academia o interesse está aumentando, mas tenho lido algumas coisas que considero confusas e embaralhadas. Acredito que isso seja reflexo – dentre tantas coisas – da baixa discussão, debate ou até mesmo da reprodução de pensamentos levianos sobre o tema. Como eu disse, há uma potência nas terras brasileiras, vamos aguardar para colher os frutos.

10 – Você executa muito bem a prática e para tanto você se torna um professor para os iniciantes?
Eu acho que passei por algumas experiências, li algumas coisas e vivi outras tantas dentro do campo da suspensão. Apesar do pouco tempo em que eu venho construindo um repertorio, sinto que conta muito aquela coisa de bagagem, que a princípio parece tola, mas tolice mesmo é quem pensa isso.
Não tenho a pretensão de ser “professor” ou o “especialista” sobre a suspensão, mas se essa minha bagagem puder ajudar alguém, seja para prática ou teoria, eu me dou de coração aberto. Muitas pessoas me procuram e sempre nascem coisas novas disso. Até mesmo das perguntas que aparentemente seriam “repetidas”…
Recentemente auxiliei um grupo de estudantes de artes e sinto que as nossas conversas me trouxeram tantas novas reflexões e algumas respostas para outras mais velhas. Isso que é bom e bonito.
Sou a favor de que é preciso conversar, trocar afeto, aprender um com o outro… Nesse esquema todo eu prefiro mesmo é ser sempre o aluno.

11 – E a relação da yoga com a suspensão, existe um elo entre as duas, conte-nos um pouco:
Não há relação alguma. Na verdade a yoga é um bem para tudo o que se faça na vida, obviamente que um praticante de yoga se resolvesse se suspender talvez pudesse ter relações outras com a prática da suspensão.
Eu tenho uma certa flexibilidade no corpo, então muitas pessoas me perguntam se faço yoga ou o quê. (risos)
Bem, desde criança eu gostei dessa coisa de contorção de corpo, até sonhava em viver em circo fazendo isso. Uma pena que depois a gente cresce e por não continuar se exercitando acaba perdendo um bocado da flexibilidade. Eu fiz acho que 2 meses de yoga em 2007, mas a coisa toda é anterior. Pretendo retomar a yoga, mas não por conta da suspensão… Até mesmo porque não sei por quanto tempo ainda vou me suspender, talvez muito em breve eu pare.
Já a yoga, assim como outras atividades físicas que pratico, seguirão vida adiante.

12 – Tem um tempo determinado para se ficar suspenso?
O tempo da pessoa é o que conta. Alguns sujeitos ficam por horas suspensos e pode acontecer de alguém ficar por poucos segundos e a coisa toda significar muito mais. A coisa da qualidade e não da quantidade cabe muito bem aqui. Falamos acima em competição, acabei recordando que já ouvi conversas com o tom de competitividade de quem agüentava ficar mais. Realmente, não tenho o menor interesse nisso.
Sei que a suspensão vertical pelo peito pede que não seja demasiada longa, para que não haja descolamento excessivo de pele e um possível sufocamento. Mas ela é tão intensa que não dá pra ficar tanto tempo como em alguma outra suspensão qualquer.
Eu já fiquei bastante tempo em algumas, pouquíssimo em outras e teve aquelas que nem sai do chão. A delicia da vida está em experimentar.

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Informações e fotos sobre o que citei podem ser encontradas em:
https://xtangelx.wordpress.com/  | @tangel
http://frrrkguys.com | @frrrkguys

Comments
2 Responses to “Minha entrevista para Hype Magazine”
  1. Reblogged this on Max Do Ganchoe comentado:
    Entrevista do Grande amigo Thiago Soares sobre suspensão Corporal. Vale a pena ler.

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  1. […] super entrevista sobre a temática com o T. Angel. A entrevista pode ser lida com exclusividade no blog de T. Angel, facilitando para quem tem interesse e que por desventura não encontre a revista. […]



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