Entrevista sobre prática docente

Curso: Estágio em História no Ensino Médio | Universidade: Universidade Cruzeiro do Sul
- A didática em sala de aula é um dos componentes essenciais para a prática docente. Sabendo que a mesma se encontra em constante desenvolvimento, quais foram as principais mudanças que ocorreram em sua relação com o ambiente escolar e, sobretudo, com os alunos da rede estadual de São Paulo?
T. Angel: A didática realmente é essencial, mas talvez precisamos pensar o que vem antes. E no princípio havia pessoas… E quais pessoas? Temos que conversar sobre isso.
Fico pensando que a grande mudança radical que precisa acontecer é no próprio ambiente escolar em si, para que outras didáticas sejam possíveis. Ainda temos uma estrutura bastante conservadora e reacionária quando pensamos o campo da educação básica. Falo assim, pois enquanto uma pessoa dissidente, a primeira coisa que preciso considerar é que o meu corpo não tinha essa educação como um lugar possível. Não era isso que foi configurado pelo sistema para gente como eu (e outras dissidências). Então, como se pensa em outras didáticas se nem o acesso era imaginável, possível? Fico aqui, sentindo com muita força que a “simples” chegada de corpas e corpos dissidentes no campo da educação básica tem o poder de oferecer outras didáticas possíveis. Considerando o próprio corpo e corpa enquanto um grande e potente tanque de guerra pedagógico. Pensando e produzindo pedagogias pós-abissais.
- As disciplinas que compõem a área das Ciências Humanas tendem a sofrer com os preconceitos impostos pelas parcelas mais conservadoras da sociedade brasileira. Tendo em vista isso, quais os desafios de desenvolver os conteúdos de História em um contexto de desvalorização, somado com os obstáculos próprios da sala de aula?
T. Angel: Lidamos muito mal com a nossa história e isso reflete no descaso e descuido que a sociedade brasileira tem com as Ciências Humanas de modo geral. E com a educação, e com a educação… O grande desafio, sinto, é o de não permitir que o sistema (e o cistema) não nos roube a paixão pelo magistério e, tão pouco, não nos asfixie. A configuração da coisa toda tendencia para isso, isto é, para nos sufocar. Para fazer com que deixemos de acreditar em nós e no poder de transformação da educação. E como a precarização da educação, sobretudo a pública, é projeto político, temos que brigar e lutar todo dia e muitas vezes em um dia só para sustentar a coisa toda. Nós, a classe trabalhadora da educação básica e pública, com os pés fincados nos chãos das escolas, vivemos 100 dias em 1. Você já sentiu assim? E não somos super heroínas, sabe, como esse discurso neoliberal engomado tenta romantizar o sucateamento que nos submete. Somos uma classe trabalhadora em guerra. E tem muitas e muitos de nós caindo…
- Como você descreveria a prática docente nos anos finais do Ensino Fundamental, em comparação com o Ensino Médio?
T. Angel: Conversando com colegas do magistério, falamos muito de como com o passar dos anos o processo educacional vai ficando mais rígido, frio, engessado, como quem vai perdendo o encanto. Há uma espécie de quebra, que precisamos nos esforçar em entender melhor. O que a gente sabe é que, aparentemente, seja o momento em que a máquina de sufocar e moer gente mais encontra o seu apogeu. Sabemos que mudanças precisam acontecer para atender a complexidade e o dinamismo da geração diversa, público-alvo do ensino médio, mas estamos falhando… Não enquanto escola, não enquanto magistério, mas enquanto sistema. E toda vez que vejo esse sistema perverso movendo perspectivas alinhadas com a meritocracia e o neoliberalismo, sinto ainda mais forte o cheiro da guerra em que sempre estivemos.
- Em seus anos como professora, como abordou a temática “História Local” em sala? Teria alguma sugestão de como elaborá-la com as turmas, principalmente aquelas do ensino médio?
T. Angel: Gosto sempre de reforçar e repetir em sala de aula, sem medo, o nosso lugar no mundo, enquanto pessoas pobres sobreviventes na periferia da periferia do capital. Isso precisa ser dito e marcado de modo consciente. Consciência de classe é uma emergência, né?
Não enquanto receita e nem sugestão, educação pra mim não funciona assim, mas como testemunho do que já foi possível no campo da “História Local”, tivemos: trabalhar com a linguagem audiovisual pensando, registrando e construindo a história local, debruçando um esforço de vida mesmo, em pontuar as invisibilidades e apagamentos na “grande” história; trabalhar a história oral atravessada pela história local é também um lugar de construção de afetos; e não nos esquecer de que o nosso território importa e que a nossa história está conectada com todas as outras. O exercício de tecer outros contextos.