Entrevista sobre a projeta Corpas Trans na USP

Jornal da USP

Primeiro, se apresente por favor. Nome, curso de graduação/pós-graduação, idade…

Eu sou a T. Angel, pessoa freak e trans não-binárie. Estou no programa de mestrado da Faculdade de Educação com orientação da Professora Doutora Anete Abramowicz. Tenho 40 anos.

Como você conheceu a projeta Corpas Trans?
Após ser aprovada no programa de mestrado, no segundo semestre de 2021, soube que haveria uma projeta de pesquisa focada na população transvestigenere uspiana. Participei do processo seletivo e, para minha surpresa e alegria, consegui entrar no grupo.

De que forma essa projeta de pesquisa tem te auxiliado?
A projeta tem me ajudado de diferentes maneiras. Tenho consciência do que é a USP, assim como sei o que significa ser uma pessoa trans em espaços como a Universidade de São Paulo. Eu sei do peso que carrego por ser e ter o corpo que tenho em espaços institucionais e normativos. Estar em um grupo de pessoas dissidentes, logo nos primeiros meses ali, me deu fôlego e força. A sensação de não estar sozinha, a sensação de segurança, pertencimento e acolhimento, o poder do afeto transcentrado… E tudo isso, costumeiramente, não é comum pra gente como a gente. E uma vez que a minha pesquisa no mestrado (e estratégias de sobrevivência no mundo) é justamente um pensar sobre dissidências e educação, estou no melhor lugar que poderia estar. Importante pontuar também que a possibilidade da bolsa de estudo tem me ajudado a permanecer na universidade com mais tranquilidade.

Sabemos que a USP ainda não possui infraestrutura e cultura para incluir a comunidade trans, a exemplo das binariedades presentes nas portas dos banheiros, ou até mesmo na falta de tratamento dos professores para com os alunes. Para você, qual deveria ser o primeiro passo para que a universidade começasse a estabelecer medidas que, de fato, assegurem a permanência de pessoas trans/não-binárias (a comunidade LGBTQIAP+ no geral)? O sentimento psicológico de estar nesse lugar tão tóxico para todes que são contra esse “cis”tema.
Acho importante essa afirmativa de que a USP, considerada uma das melhores universidades da América Latina e do mundo, não está preparada em 2022 para receber pessoas transvestigeneres. É irônico. É a lógica perversa do cisheteroterrorismo e da normatividade compulsória. O primeiro passo para a universidade seria esse mesmo, reconhecer que não sabe, que não está preocupada em saber, assumir a sua responsabilidade na omissão de pensar políticas para o ingresso e permanência de corpas e corpos dissidentes naqueles espaços. Assumir que tem feito pouco, assumir que se importa pouco, assumir sua negligência das demandas da nossa gente, assumir que tem dívida histórica (e não só com pessoas transvestigeneres). E, assumindo tudo isso, se responsabilizar para que tenhamos mudanças. O que não está acontecendo ainda, sabe? Mas nós estamos ali. E antes de nós, outras, outros e outres estiveram. E a nossa chegada, permanência ou passagem por aqueles espaços, vão reforçando em sismos as nossas reivindicações. Deveria indignar toda uma sociedade que ali – grande referência na produção e fruição do conhecimento – estamos brigando pelo direito básico de ter nossos nomes sociais respeitados, nossos pronomes e o direito de usar um banheiro com segurança. É o mínimo da dignidade humana, sabe?

O meu sentimento psicológico já foi destruído e quebrado antes de eu entrar na USP. E eu consegui me reconstruir: colar os cacos, lamber as feridas, costurar os pedaços. A gente cria casca dura nesse mundo para sobreviver e depois que isso acontece, ah!
Eu consegui me reconstruir e me remontar para inclusive ocupar aquele espaço.

Não sei se lembras, mas semestre passado ocorreu um crime na entrada do P1. A vítima era uma pessoa trans (não sabemos se era estudante, pois haviam poucas testemunhas). De todo modo, os profissionais de segurança não agiram para impedir a violência sofrida por parte da vítima. Como você se sente em estudar em um ambiente que insistentemente é homofóbico e elitista? A projeta atuou nesse caso na construção de medidas, como uma ouvidoria, na resolução dessas situações.
Não soube sobre esse caso, mas não me surpreende em nada. A USP não está descolada do mundo, e na configuração de sistema que temos, é assim que nos tratam: com omissão, negligência, virulência, violência e reafirmação da violência. Então, não fico surpresa. Como eu disse antes, eu tenho muita consciência do mundo em que vivo, assim como, o que significa estar ali e aqui. A Universidade de São Paulo é transfóbica e elitista (racista, capacitista, etc) e, boom-boom, eu estou ali agora. Eu estou de pé nessa universidade enquanto uma pessoa trans, freak, pobre e de periferia. E eu não estou sozinha!
Nós, pessoas dissidentes, precisamos ocupar esse espaços e devorá-lo cru de dentro para fora. Transtornando a norma.

Percebemos que as redes sociais se encontram relativamente desatualizadas. Sabes me dizer se no campo real, de fato, quais as atualizações que essa projeta de pesquisa vem desenvolvendo e que talvez ainda não saibamos?
A projeta atualmente está concentrada em realizar as entrevistas para produção dos próximos materiais. Produzindo pequenos materiais educativos, em breve começaremos espalhar tudo isso por aí. Temos muito trabalho acontecendo e muitos desejos para o futuro, pensando na nossa gente na universidade.

Quando perguntamos nos corredores o ambiente mais “seguro” para a comunidade trans as pessoas nos afirmam as áreas humanas, pois há um conservadorismo muito grande nas ciências duras. A própria Gabi afirmou isso para mim. Realmente, é isso mesmo? Como é ser trans e cursar o curso que você cursa na universidade?
Eu estou na faculdade de educação e sou de Humanas. Por dádiva, privilégio e sorte tenho transitado somente em locais bastante seguros, uma vez que tenho escolhido as disciplinas que mais poderão potencializar os meus estudos, pesquisas e vida. Mas ouço constantemente isso que você trouxe, o que me surpreendeu recentemente, foi saber que nem nas humanas esse cenário “seguro” está posto. A gente se ilude e se decepciona, acontece…

Considerações finais que não foram abordadas, mas são necessárias para a expansão da informação sobre o que é a projeta corpas trans fique a vontade. Aqui é seu espaço para expor o que quiser.
Só agradecer mais uma vez. Viva la transrevolución!

Você pode ler a matéria clicando no link abaixo:
https://jornal.usp.br/diversidade/comunidade-trans-na-usp-cria-rede-de-apoio-e-pesquisa-para-incentivar-a-permanencia-estudantil/

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