Palavras soltas sobre a Gravidade

Estou ansioso e preciso escrever algumas linhas, assim como antes, quando fumava uns cigarros para me acalmar.
É certo que o frio na barriga vem junto com a primeira ação performática do ano, a Gravidade. Está tudo certo e organizado, mas é intensa a sensação de que posso estar me esquecendo de algo.
Quando o Lu me convidou para estar com ele nesse evento do SESC, vibrei de alegria e por vários motivos. Primeiro pelo fato dele acreditar em mim, assim como no meu potencial criativo, no meu trabalho como performer… Posso dizer que existe uma confiança mútua. Sei que é uma relação que se fez com o tempo, com muita pancada na cabeça e também com muita coisa bonita, que sem dúvida alguma me edificaram como ser humano. Como sempre digo, todas essas experiências me fazem mais humano do que artista. Gosto disso, estranho seria se não.
Eu concebi a Gravidade em um momento de profundo mal estar. Dias, semanas, meses sem sair de casa e com contatos sociais reduzidos. Perdi uns seis quilos e toda musculatura que havia conseguido construir. Entrei em um estado de auto-isolamento, que somente agora tenho conseguido sair. Muito honestamente falando, sigo me questionando profundamente ainda sobre tudo isso. É um processo que está em curso. Teve os seus momentos angustiantes, quando por exemplo você quer sair e encontrar quem você ama e falta força. Assim como teve os seus momentos de muito crescimento interior. Eu aprendi a gostar de ficar sozinho e agora sei que preciso aprender a dosar a solidão.
Não tenho problema algum em escrever publicamente sobre isso. Acredito que todo mundo tenha dias ruins, não sou o primeiro e nem o último, e que estes são parte importante da vida, tanto quanto os dias felizes. Não há o que esconder.
Dito isso, a Gravidade é uma ação sobre um (vários?) processo de experiência. Sobre os limites e as crises da experiência de existir. Ainda, sobre a sensação de não pertencimento, da dificuldade em se adaptar ao estado comum das coisas do mundo, como elas estão… Gravidade é um desabafo, um descarrego, um desapego de tudo aquilo que me consome a paz. Escolhi o título justamente por isso, por ser uma palavra de significados tantos… Trato particularmente a gravidade como qualidade daquele ou daquilo que é grave. Estado ou qualidade daquilo que pede cuidado. Por fim e não menos importante, escolhi a palavra tema, pensando na física. Especificamente na sensação e potência que a gravidade – como lei – exerce sobre os nossos corpos, propiciando momentos de completo conforto e intenso desconforto. Intensidade. Como um agudo balançar de pêndulo.
Hoje finalizei o figurino com a ajuda da minha amada mãe. Aqui cabe uma pequena e importante divagação… Minha mãe não gosta do que eu faço, não entende o que eu faço e sinto que ela tem um pouco de vergonha em saber sobre o que faço. Ela nunca viu um trabalho meu e aparentemente ela tão pouco considera que isso tenha algum significado. Quando eu contei que havia fechado um trabalho com o SESC, ela questionou contrariada, “você não vai se pendurar de novo né?” Eu disse que não e mudei de assunto. De fato eu não vou apenas “me pendurar de novo”, é muito além…
Obviamente que essas coisas todas, o aparente desinteresse nas coisas que mais me fazem feliz, já me colocaram para baixo algumas – diversas – vezes, mas hoje em dia não. O que é muito bom, claro que é. Parte disso foi em descobrir que por mais que a minha mãe não goste, não entenda ou não se interesse pelo que faço como criador, performer, artista, ela nunca deixou de se interessar por mim como fruto de seu sagrado ventre. Mesmo não gostando, não entendendo, não se interessando pelo que faço, hoje (e outras incontáveis vezes) ela trabalhou por mim mais algumas horas, além das tantas outras que ela já tinha trabalhado no dia, em suas máquinas de costurar. Reclamou do cansaço e igualmente por não entender o que eu queria. Puxou minha orelha por eu não seguir os padrões da costura, não usar moldes e nem croquis… Mas ficou lá comigo, ajudando, contribuindo e perguntando curiosa: “isso é para a dança?” Por dentro eu sorria feliz.
No fim do trabalho ela disse que tudo estava um horror. Depois parou, olhou bem e concluiu que não tinha ficado tão ruim assim. Contei que o teatro era bonito, que as luzes eram maravilhosas e que projetaria imagens nas roupas, por isso a escolha do branco. Ela se calou e eu também. Recolhemos os materiais, fechamos a oficina, eu a agradeci, ela fez alguma piada e cada um foi para o seu quarto.
A divagação talvez tenha sido um pouco longa, mas realmente necessária.
Para concluir essas memórias de um sujeito ansioso… É chegado o grande dia…
Levarei o corpo consumido pela gravidade da existência e trarei um outro.
Viver, viver, viver os processos.
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