Alimentação, sexualidade e identidade de gênero…

Ontem recebi do meu colega Bruno Bueno uma foto para o meu trabalho Indiferença, não mais. Na verdade eram duas belas imagens, em uma ele passava um batom cor de rosa e na outra ele posava de salto alto. Declaradamente inspirado pela teoria queer e motivado pelo desejo de viver em um mundo sem indiferenças.

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Hoje ele me escreveu dizendo que havia sido atacado virtualmente pela Asip Osasco,  instituição pró-vegan aqui da cidade e que diz trabalhar pela inclusão social da comunidade carente. Inclusive eu mesmo fiz a propaganda de um evento que aconteceria nessa instituição, era um dia de feijoada vegana. Recordo-me que não pude ir no dia, mas a minha melhor amiga foi.

Quando vi as mensagens, as ideias me pareceram tão arbitrárias e desconexas que eu não conseguia entender ou acreditar no que estava lendo.

Utilizando o perfil no Facebook da Asip, escreveram na foto em que Bruno aparece de salto alto, que o comportamento afeminado se dava por conta da alimentação. Que inclusive esse comportamento, ou seja, essa sugestão de identidade de gênero era errada e que pela preservação das próximas gerações ele deveria parar com isso. Seguiu dizendo e reafirmando que a maior parte das pessoas gays e trans são assim por conta dessa alimentação errada. O próprio que escrevia pelo perfil, disse que teve relações homossexuais na infância e que depois de viagens astrais se “libertou”.

Não bastando tratou a questão da homo e transexualidade como doença, traçando paralelos quando disse que:

“ótimo, mas não só a soja como outros químicos que a mãe ingeriu provoca a alteração físico comportamental, de onde você acha que vem o hermafrodita, a síndrome de down, os canceres, infecções, deformações em geral do corpo e órgãos, vou colocar de novo e continuarei a colocar, enfatizando os malefícios mesmo que vc não veja esta atitude” (sic) (grifos meus)

Asip disse se gabando que “todo pré conceito vem dos mais jovens” (sic), bem, ele é a prova viva do quanto isso não é verdade. Tanto que sua insistência em atacar o Bruno não foi pouca. Insistentemente ele deixava o link de um vídeo, o qual eu compartilho abaixo.

O respectivo vídeo é um programa de rádio cristão apresentado pela Dra. Gisela Savioli e que recebeu como convidada a Nutricionista Denise Madi Carreiro. Toda a fala de Denise vai muito bem até chegar nos 43 minutos do vídeo, quando nos deparamos com a perigosa afirmação:

“E para os meninos, diminuição da testosterona. Com inclusive o desenvolvimento de característica femininas, né? E aí entra num processo de, pra homem, pra adulto, interferir na regulação hormonal, diminuição de libido, né? Entre outros fatores. Para o menino, eu já peguei meninos com nove anos no consultório desenvolvendo seio e aí é a hora que você tira a soja e vai para o lugar. Meninos com três, quatro anos desenvolvendo corpo de menina, com cintura e aí a mãe ia tentar dar a bola “não quero”, ia dar roupa, pegava o vestido e punha na frente… E aí o pai falava pra ela assim, “precisa levar esse menino no psicólogo”, né? Aí, quando assistiu a minha aula, uma nutricionista, eu colocando essa relação do desequilíbrio hormonal que a soja, ela pôs a mão na cabeça… Falou, “Denise, desde que ele teve alergia a leite, a pediatra deu soja e ele toma soja até hoje”. Aì um ano depois eu voltei a dar aula nessa mesma universidade em Londrina, ela falou assim pra mim: “Foi tirar a soja, ele passou a voltar a desenvolver características, tanto na aparência de menino, como em comportamento de menino”. E, esse foram dois exemplos que te dei, eu já tive inúmeros no consultório.”

Bom, acho a afirmação que a nutricionista faz muito perigosa e não leva em conta a complexitude que ronda em torno do corpo, sexualidade, gênero e cultura. Eu sou um ignorante no que concerne os estudos da nutrição, mas eu sei daquilo que eu sou e não acredito que a alimentação tenha me influenciado em nada no que concerne a minha identidade.
Seria muito simplista resolver todas as questões que permeiam a identidade de gênero e sexualidade com base unicamente na alimentação (que também é uma construção cultural, sendo assim variável no espaço e tempo).
Acredito ainda que esse discurso abre espaço para uma possível ideia de que seja possível curar a trans ou homossexualidade (ainda que não tenham sido mencionadas no vídeo) sem levar em consideração todas as outras questões, como exemplo, a cultura heterossexista ocidental que vivemos há séculos. Em nenhum momento houve a discussão sobre essa questão tão importante. E seguir discursando sobre o que supostamente deve ser de menino ou de menina, sem aprofundamento algum é problemático.
Sem contar que é um pensamento bastante burguês quando pensamos sobre a aplicação deste no Brasil, país que sofre cronicamente com a péssima rede de saúde pública. Sabemos que grande parte da população brasileira (a maioria talvez) não tem condições financeiras de levar o filho no nutricionista ou tão pouco pagar psicólogos. Veja bem, não desmereço ambas as profissões e acredito que seria lindo de todos pudessem frequentar os consultórios, mas a gente sabe que o acesso é restrito e limitado para alguns poucos.

Eu sou vegano e queer, estou profundamente envergonhado por ter indicado a Asip para meus amigos. Decepcionado em ver que uma instituição que deveria ajudar as pessoas, tem se preocupado em “libertá-las” com base em uma padrão heteronormativo e sexista.

Não sei se a pessoa que utiliza o perfil é o presidente da instituição. Enviei uma mensagem no perfil expressando toda a minha decepção e vergonha, não obtive resposta alguma até o momento. Acho inclusive importante que seja investigado o que anda sendo ensinado ou promovido pela Asip Osasco, visto o o ocorrido.

Fica aqui o meu repúdio. Ironicamente isso tinha que acontecer justamente em um trabalho de arte que luta pelo fim da indiferença com que os LGBTT são tratados.
Asip Osasco (fundada em 1985)
Presidente – Prof. Aloísio Domingos BorgesBom,
ASIP: Rua Domingos Fernandes Rocha – 83 – Jaguaribe – Osasco – SP.

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Comments
2 Responses to “Alimentação, sexualidade e identidade de gênero…”
  1. Eu já ouvi de tudo, de tudo mesmo sobre “causas” de “desvios de gênero ou de comportamento sexual” (tudo entre suas devidas aspas)… bom, achei que tivesse ouvido de tudo até me deparar com uma nutricionista falando que A SOJA DIMINUI O NÍVEL DE TESTOSTERONA! E nem que a soja tivesse estrogênio sintetizado (aí sim, daria características físicas femininas a um garoto, provavelmente) seria responsável por homossexualidade nem transexualidade! Nossa, tem hora que dói o fígado da gente de ouvir certas besteiras…

  2. Bru_nim disse:

    Obrigado por divulgar, tamu junto.

    Espero que a ONG perca a credibilidade, pois quer lidar com uma sociedade diversa imputando pensamentos Sexista, Machista e Homofóbico, assim não pode.

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